sexta-feira, 9 de março de 2007

Roda do Preconceito

Itália, Alemanha, Áustria e Suíça. Nações de primeiro mundo. Ricas e prósperas.

Carregam em comum também uma nova (re)invenção, a “roda dos enjeitados”. Trata-se de uma invenção da igreja católica que remonta ao século XVII e que consiste numa pequena porta colocada em hospitais públicos pela qual os pais podem abandonar seus filhos sem serem identificados.

Analisando-se rapidamente podemos identificar uma atitude de caridade para com os bebês rejeitados por suas mães. É fácil acreditar que o senso de fraternidade é a mola propulsora das ações organizadas para evitar o sofrimento de inocentes punidos pela ignorância de pais inescrupulosos.

É uma solução muito melhor do que ver mães abandonando seus filhos em latas de lixo, casinhas de cachorro ou sacos plásticos a boiar em lagoas.

Mas o que não fica claro é que estes países, os primeiros a adotar medidas tão solidárias, estão ficando com suas populações cada vez mais velhas. São nações em que o privilégio de seus aposentados depende de uma juventude produtiva cada vez mais escassa.

Os imigrantes cumprem importante papel como motores desta economia e também como provedores desta geração futura de trabalhadores.

Porque são eles que abandonam seus filhos nestes hospitais?

A resposta fácil é dizer que o fazem por ignorância ou pobreza. Entretanto, a maioria segue uma lógica muito mais sórdida e nefasta.

Porque a sociedade e o estado não se dedicam a promover a assistência financeira e social necessária para que estas crianças sejam criadas por seus pais? Afinal, gasta-se o mesmo, ou até mais, com as crianças abandonadas.

A resposta é que estas nações “desenvolvidas” querem os filhos dos imigrantes, mas não desejam seus pais.

Querem filhos que poderão no futuro ser chamados de “filhos da pátria” apesar de suas peles negras, seus olhos puxados ou seus narizes aduncos.

São filhos que receberão a melhor educação e a assistência que o estado de bem estar social pode proporcionar a uma juventude. Mas que não terão nenhum laço cultural, racial, ou ideológico com seus progenitores biológicos. Enfim, não serão imigrantes. Não sairão às ruas clamando por igualdade entre os povos.

Não reivindicarão para seus pais imigrantes os mesmos privilégios dos cidadãos naturais.

Os pais que abandonam seus filhos sabem disso claramente. E têm plena convicção de que apenas sem estes laços eles poderão usufruir destas benesses.

E assim, todos continuam a alimentar de modo transverso a separação dos povos entre ricos e pobres. Afortunados ou não. Primeiro e demais mundos. Superiores e inferiores.

Apenas os mecanismos são mais sutis.

quinta-feira, 1 de março de 2007

A África é aqui!

Parece que às vezes o universo conspira contra nós para nos fazer refletir ...

Recentemente assisti ao filme Hotel Ruanda para logo em seguida assistir a Diamante de Sangue.

Creio que seja impossível a uma pessoa normal permanecer indiferente à dor e sofrimento retratados nestes filmes.

Hotel Ruanda relata fatos verídicos que transcorrem durante o conflito étnico entre Hutus e Tutsis que assolou Ruanda.

Diamante de Sangue é uma denúncia ao sofrimento que a exploração ilegal de diamantes, e de resto as demais riquezas daquele continente, impõe ao povo.

São muitos os males que historicamente afligem este sofrido continente. Em especial a África sub-saariana. Fome, miséria, discriminação racial, doença e ignorância institucional.

A eles soma-se um sofrimento ainda mais nefasto, porque poderia ser facilmente erradicado pela solidariedade e respeito ao próximo.

É a exploração física e a humilhação moral.

Não vem de hoje. Nem começou com os brancos imperialistas. Mas se alimenta do mesmo tipo de preconceito e ódio racial que historicamente alimenta os conflitos árabes.

Se antes os africanos eram capturados e vendidos como escravos agora se tornaram escravos do medo e da desesperança.

Parecia que a segunda grande guerra sepultaria de vez estes comportamentos deploráveis.

Parecia que a ciência, a tecnologia e o pensamento moderno libertariam de vez a alma humana destas mazelas.

Parecia...

Mas infelizmente, como erva daninha, eles insistem em continuar infestando o jardim de nosso paraíso capitalista.

Nós brasileiros nos consideramos afortunados. Não somos acometidos de tragédias naturais, pragas devastadoras e ainda estamos livres destas ocorrências desumanas que acometem outros povos.

Ledo engano.

Em São Paulo homossexuais são espancadas por grupos de jovens intolerantes com os mesmos requintes e crueldade que caracterizavam a ação de grupos nazistas.

No Rio uma criança é arrastada e morta com a mesma insensibilidade com que se cometeram atrocidades em Ruanda.

Em todas as cidades a ação de gangues afronta diretamente o poder das autoridades constituídas num claro sinal de caos institucional tal como se observa nas revoluções e conflitos africanos.

Para os países, ditos de primeiro mundo, a América Latina é o fim do mundo. O esconderijo perfeito para ladrões, malfeitores e desocupados de todo gênero.

A África então, está para lá do fim. Já não pertence a este mundo.

Olhando ao redor, acompanhando as notícias não dá para evitar se perguntar se a África não é aqui.