sexta-feira, 4 de julho de 2008

Saindo bem na foto

Causou comoção a história de Ubirajara Gomes da Silva, morador de rua do Recife que aos 27 anos foi convocado para trabalhar no Banco do Brasil. (leia a matéria na íntegra)

Aprovado na 136ª posição ele assumirá o cargo de escriturário com salário inicial de R$ 942,90.

Uma conquista que merece os nossos mais efusivos aplausos.

Histórias como estas dão ao concurso público o caráter de universalidade que garante igualdade de condições a todos os cidadãos e o direito ao seu progresso em todas as frentes.

Justamente por isso, ele foi alçado à condição de panacéia para os males que assolavam o ingresso no serviço público e como instrumento contra a ineficiência do estado.

Definitivamente ele não é.

Sua proliferação indiscriminada gerou a indústria do concurso público que se retro-alimenta de candidatos em busca por cargos públicos numa espiral de cargos mais nobres e salários maiores.

Um concurso público é como uma fotografia. Reunimos aquele enorme grupo de pessoas heterogêneas, pedimos que se espremam para caber na foto. Nos afastamos e "click".

O que o retrato revela são pessoas vistas à distância, despidas de sua essência humana. Estáticas. Algumas de olhos fechados, boca aberta, cara assustada. Outros, bem treinados, exibem sorrisos plásticos e inexpressivos. Todos, sem exceção, caricaturas de si mesmos.

Tanto quanto uma fotografia, por melhor que seja, não retrata a essência de uma pessoa, um concurso não tem também este condão.

Talvez por isso os "reality shows" façam tanto sucesso atualmente enquanto programas que cobrem concursos de beleza, por exemplo, estejam em decadência. Os primeiros acompanham a "trajetória" do candidato, suas máscaras caem, suas artimanhas aparecem e o público consegue escolher o melhor, ou no caso de tais programas, o "menos pior". Concursos de beleza são tão superficiais quanto a maquiagem de suas candidatas. Não permitem auscultar o íntimo dos participantes, expor sua moral, conhecer suas idéias, identificar suas potencialidades.

O concurso, como de resto qualquer outro teste, possui uma eficiência muito limitada na avaliação das características gerais do candidato. Decorre daí que ele deve ser apenas um dos instrumentos utilizados no processo de seleção do candidato.

Outros são os testes psicotécnicos, de provas e títulos, currículo, avaliação psiquiátrica e tantos mais quantos forem necessários para conferir à escolha o melhor caráter seletivo.

O processo seletivo das organizações públicas ignora a necessidade de avaliar no tempo o desempenho e a qualificação do candidato.

É preciso abandonar a fotografia e adotar o cinema. Ou seja, é preciso adotar no âmbito do serviço público o verdadeiro conceito de carreira funcional em lugar da multiplicidade de cargos estanques.

Carreiras pressupõem que o servidor ao longo de sua jornada de progresso funcional adquira conhecimento, experiência, aprimore talentos, desenvolva qualidades e responsabilidades, através de um processo de formação continuada aliada a processos de avaliação contínua.

Carreiras garantem que este progresso de qualificação habilite o servidor a ocupar cargos de maior responsabilidade, o desempenho de atividades mais complexas, que exigem melhores qualidades técnicas e profissionais, numa equação diretamente proporcional à remuneração e comprometimento ético com a instituição.

É injusto exigir que o servidor público já aprovado em concurso público tenha que se submeter a novo concurso para auferir progressos em sua carreira funcional, desprezando os anos de serviço prestado no âmbito de sua organização.

Equivocadamente, muitas organizações sindicais e associações de servidores combatem esta idéia. Temem que a adoção de carreiras represente um retrocesso ao "barnabelismo". Argumentam também que o instituto da avaliação de desempenho seria facilmente empregado como instrumento de opressão e perseguição funcional.

A própria administração pública aventa o risco de que o funcionalismo público se torne lento e ineficiente.

Todos estes argumentos decorrem das práticas e comportamentos comuns à administração e ao funcionalismo pública do milênio passado. São argumentos eivados de profissionalismo e responsabilidade administrativa.

Modernamente, a administração busca maior eficiência e autonomia ao mesmo passo em que o servidor busca competitividade e valorização. Não são falácias acadêmicas, mas decorrências de uma sociedade alicerçada na diversidade de oportunidades, produtos e informações.

A velocidade com que os fatos se sucedem é diretamente proporcional à volatidade dos valores de instituições, práticas e técnicas administrativas.

Inseridas nesta era do conhecimento e da informação, as pessoas estão acostumadas e até ansiosas por formação e avaliação constante. Sentem que isto as torna mais fortes e adaptadas a um mundo de constantes transformações.

Até que se encontre uma forma ainda mais eficiente para o ingresso no serviço público, é justo que se utilize o instrumento do concurso público.

Mas restringir a apenas este instrumento o preenchimento das vagas de maior responsabilidade é, no mínimo, temerário.

Opor-se é perpetuar as condições para que organizações e pessoas concebidas e preparadas especificamente para "sair bem na foto" ocupem cargos e funções que podem comprometer a integridade do Estado.

É valorizar pessoas sem interesse no seu próprio aperfeiçoamento e na construção de um estado forte. Pessoas que usam, mas não servem ao Estado.

É desvalorizar servidores que dedicam seus melhores esforços para a construção de um Estado forte e de um funcionalismo eficiente servindo aos mais nobres interesses da Nação.

Nenhum comentário: